dezembro 29, 2009


Entre pensar e sentir
o jogo cansativo de advinhações
do que está implícito nas palavras (mal)ditas
na releitura dos olhares
pequenas pausas
despertar de suspeitas
... essa inquietude.

Vagas promessas das noites que virão
emoções reinventadas
sentimentos arredios
tentativas vãs
... nostalgia que se antecipa ao pôr-do-sol.

dezembro 26, 2009

escritos antigos antigos

"por essas e outras histórias, resolveu tecer para si, com o fio que a ajudaria a salvar-se, o mais intrincado dos labirintos.

por amor à poesia, acabou por sentir mesmo uma espécie de felicidade, sozinha, no escuro, à cata da saída como rima? sina?, na certeza de jamais encontrá-la.

pôde, assim, deixar-se ficar, andar sempre e sempre devagar, sem estremecer os nervos, sem retesar os músculos, sem ansiar liberdade."

(Tággidi Mar Ribeiro)

Melodia Sentimental - Maria Bethânia


Melodia Sentimental
(composição Heitor Villa-Lobos)


* Trecho extraído do documentário "Maria Bethânia - Música é Perfume".

dezembro 19, 2009

Novo amanhecer


Tanto a dizer (e agradecer)
que até faltou tempo para perceber
que aquele dia tão esperado
- antes tão distante que mal conseguia ver -
está agora diante de mim
e eu, aqui, sem saber o que será de mim
neste novo amanhecer.

Ficou mais fácil abrir os olhos
e ver tudo que sonhei acontecer
assim...
sem pensar, sem controlar, sem qualquer direção dar
entrar no meu trem da história e partir
partir para viver,
partir sem escolher entre envelhecer ou morrer.

Só quero viver...
assim tão fácil: viver, viver e viver
pra não caber mais em mim aquele ser morto que me impedia de ser
deixar para trás tudo o que passou
até restar apenas uma vaga lembrança esquecida e para sempre superada.

Chega mais perto de mim você que chegou na minha melhor hora
mais perto, mais perto, mais perto...

terá a certeza do meu sentir e da minha verdade
perceberá sem esforço que estive me preparando para receber você.

outubro 24, 2009

Radiohead - No surprises

Confissão


Dias em que tudo parece tão quieto
dentro de mim um amontoado de dispersões
me sopram aos ouvidos a certeza dessa ilusória mansidão
dos ponteiros que marcam o compasso das horas.

Aquele resgate do tanto que tenho vivido
a pena do que não vivi e foi deixado pra trás
as muitas alegrias (ou tristezas) que virão
dos encontros, dos desencontros
das chegadas e muitas partidas.

O pulsar do desejo latente que cá está
instalado em meio a tantas outras necessidades
do afago que precisa ser compartilhado
da conversa silenciosa dos olhos que buscam cumplicidade.

O encanto das sentimentalidades que trazemos dentro de nós
o corar de ser pego rascunhando cartas
que jamais chegarão ao destino
e para sempre pemanecerão escritas no breve espaço de tempo
em que pude sentir de perto a verdade escondida naquele olhar.

As tentativas que se deixam frustrar por medo
o receio de perder o que nunca tive
pelo que ainda gostaria de dizer sem a censura do julgamento alheio
nem o fingimento de reescrever emoções
... um coração que já não sente dores
mas pulsa em silêncio o seu amor.

outubro 05, 2009

Orfandade


"Meu Deus,
me dê cinco anos.
Me dê um pé de fedegoso com formiga preta,
me dê um Natal e sua véspera,
o ressonar das pessoas no quartinho.
Me dê a negrinha Fia pra eu brincar,
me dê uma noite pra eu dormir com minha mãe.
Me dê minha mãe, alegria sã e medo remediável,
me dá a mão, me cura de ser grande.
Ó meu Deus, meu pai,
meu pai."


(Adélia Prado)

setembro 01, 2009

Catedral - Sol de Primavera

Quando entrar setembro
E a boa nova andar nos campos
Quero ver brotar o perdão
Onde a gente plantou
Juntos outra vez...

Já sonhamos juntos
Semeando as canções no vento
Quero ver crescer nossa voz
No que falta sonhar...

Já choramos muito
Muitos se perderam no caminho
Mesmo assim não custa inventar
Uma nova canção
Que venha nos trazer...

Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cór
Só nos resta aprender
Aprender...
Aprender...

agosto 23, 2009

Eu minto...


"Tudo o que falo aqui,
falo como um imperfeito
que procura ser aceito,
que procura entender o seu interior.
Vou até quase o final,
mas, quando chega o momento fatal,
paro para pensar
se o que eu penso, quero e desejo
é algo anormal.
Não minto quando digo que amo,
minto quando não quero macular isso,
não minto quando digo que nem tudo posso dizer,
porque pelo menos um íntimo meu preciso ter,
mas, minto quando prometo dizer tudo que sinto,
porque, nem tudo que sinto, é algo certo,
talvez porque esteja me preparando para entender,
talvez esteja querendo mesmo é que passe,
e as coisas se resolvam como o sol na poça,
evapore e só fique a marca do que foi.
Eu minto quando invento coisas que não posso ser,
mas não minto quando mostro o que sou e fiz.
Eu minto quando digo que entendo a solidão,
que saberei conviver com ela,
e não minto quando faço tudo para superar
essa dor de ocasião.
Eu minto quando um dia te disse que era forte
mas, não minto, que hoje, sei mostrar minha fraqueza inteira.
Eu minto quando digo que faço tudo para não magoar,
mas não minto quando sei fazer tudo pelo próximo que gosto,
pelas pessoas que quero bem.
Minto quando digo que superei as coisas que passaram
mas, não minto quando digo que aprendi
e que não irei repetir,
talvez novos erros,
jamais repetir os mesmos erros.
Eu minto porque não sou perfeito
e não minto quando digo que já consegui me abrir muito,
até mais que imagino,
até além do que deveria,
fui escancarado no meu íntimo e,
de agora em diante,
preciso construir um novo lar
para o meu ser,
só meu...
sem olhares,
nem recriminações,
com amigos sinceros
e inimigos honestos.
"

(Carlos Eduardo, 23 de agosto de 2004)

agosto 20, 2009

A idade de ser feliz


"Existe somente uma idade para a gente ser feliz,
somente uma época na vida de cada pessoa
em que é possível sonhar e fazer planos
e ter energia bastante para realiza-los
a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.

Uma só idade para a gente se encantar com a vida
e viver apaixonadamente
e desfrutar tudo com toda intensidade
sem medo, nem culpa de sentir prazer.

Fase dourada em que a gente pode criar
e recriar a vida,
a nossa própria imagem e semelhança
e vestir-se com todas as cores
e experimentar todos os sabores
e entregar-se a todos os amores
sem preconceito nem pudor.

Tempo de entusiasmo e coragem
em que todo o desafio é mais um convite à luta
que a gente enfrenta com toda disposição
de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO,
e quantas vezes for preciso.

Essa idade tão fugaz na vida da gente
chama-se PRESENTE
e tem a duração do instante que passa."

(Mario Quintana)

agosto 19, 2009

Use filtro solar!

"Wear Sunscreen" (em português "Use filtro solar") é o nome de uma obra intitulada "Advice, like youth, probably just wasted on the young" escrita por Mary Schmich e publicada no Chicago Tribune em 1997.

agosto 14, 2009

Aniversário


Hoje, dia do meu aniversário, senti certa necessidade (ou obrigação) de deixar aqui um registro da data. Mas, confesso que não estou no clima da comemoração que os costumes impõem. Talvez, se conseguisse um canto para meu refúgio, me sentiria melhor em permanecer recluso até que os ponteiros anunciassem a virada do dia. Isolado de todos, teria algum tempo para escutar todas as inquietações para as quais tenho tapado os olhos. Distante de tudo, não me seria exigido o esforço de esboçar sorrisos, nem falsear uma alegria que há muito não trago em mim. Se atentos às minhas pausas, meus silêncios revelam bem mais...

"Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos."

(Excerto do fragmento 196, do Livro do Desassossego, cuja autoria foi atribuída por Fernando Pessoa ao seu heterônimo Bernardo Soares)

agosto 13, 2009

Patsy Cline - Crazy

Crazy, I'm crazy for feeling so lonely
I'm crazy, crazy for feeling so blue
I knew you'd love me as long as you wanted
And then some day you'd leave me for somebody new

Worry, why do I let myself worry
Wondering what in the world did I do

Crazy, for thinking that my love could hold you
I'm crazy for trying
And crazy for crying
And I'm crazy for loving you

Worry, why do I let myself worry
Wondering what in the world did I do

Crazy, for thinking that my love could hold you
I'm crazy for trying
And crazy for crying
And I'm crazy for loving you

agosto 11, 2009

Pegadas na areia


"Sonhei que estava andando na praia com o Senhor
e no céu passavam cenas da minha vida.
Para cada cena que passava, percebi que eram
deixados dois pares de pegadas na areia:
um era meu e o outro do Senhor.
Quando a última cena de minha vida passou diante de nós,
olhei para trás, para as pegadas na areia,
e notei que muitas vezes, no caminho da minha vida,
havia apenas um par de pegadas na areia.
Notei também que isso aconteceu nos momentos mais difíceis
e angustiantes de minha vida.
Isso me aborreceu deveras e perguntei a Ele:
'Senhor, tu me disseste que, tendo eu resolvido
te seguir, tu andarias sempre comigo, em todo o caminho.
Contudo, notei que durante as maiores tribulações do meu viver
havia apenas um par de pegadas na areia.
Não compreendo por que nas horas em que mais
necessitava de ti, tu me deixaste sozinho.'
O Senhor me respondeu:
'Meu filho, eu te amo e jamais te abandonei.
Nas horas de prova e de sofrimento,
quando viste na areia apenas um par de pegadas,
foi exatamente ali que te carreguei nos braços.' "

(Margareth Fishback Powers)

julho 23, 2009

...


"porão em (re)forma amontoado de
quinquilharias: sentimentos antigos,
hábitos caducados, versões de outrora...
nos degraus da escada, a rolar saudade dos meus
- que meus não são -
ora no topo, de euforia,
ora ao pé dela, coup de blues.
sala de estar e não sala de ser,
porque renovar-se a si, transcende.
e, uma fachada que diz
- ou pretende -
'quem não a conhece, não pode mais ver pra crer...
quem jamais a esquece não pode reconhecer...' "

(Ojana Dominique, em Paris)

julho 21, 2009

Toquinho - Aquarela

Não recordo de já ter me sentido envolvido por essa melancolia que, hoje, se precipitou em mim e tomou conta do meu dia inteiro. É algo, assim, tão breve e intenso. Um soluço, uma vontade, uma lágrima, um nó... Incertezas, medos, dúvidas... Um pouco de tudo junto num sentimento só. Sei apenas que, em flashes de nostalgia, recordei a criança que fui. Uma imensa saudade da minha infância!
Lembrei também dessa música do Toquinho. Tão inspiradora! Uma perfeita expressão da vida em si mesma, com suas alegrias e tristezas, descobertas, realizações e decepções, a inocência pueril, o amadurecimento, despedidas, os desafios do inédito, a finitude do ser. Enfim... uma aquarela que é a vida com suas infinitas possibilidades e que, a nós, (in)felizmente, não é dado retocar.

Sem remédio


"Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou…
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos da Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio.
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!"

(Florbela Espanca)

julho 11, 2009

Para o meu lado

Você que está vindo
inesperadamente
de lá pra cá... e pra mim
para o meu lado
este lado que lhe ofereço
e que é inteiro
mesmo talvez parecendo ser parte
a parte de mim que sempre guardei
que agora sinto poder mostrar
compartilhar
sentir meu pensamento voar
certo de encontrar o seu.

É a parte intacta
que trago em mim
há muito escondida
e esquecida na textura dos dias
das horas sem o sabor da vida
que pressinto logo experimentar.

Fugir ou prosseguir?
Recuar ou arriscar?

Recordar ou esquecer?
Empolgo e me acalmo
indago sobre ser ou não
(não sei)
e pouco importa saber...
a alma sorri
a vontade escolhe tentar
e eu digo sim.

julho 06, 2009

Dá licença


Dá licença que vou chorar
reclamar da vida
queixar-me do mundo
dos transeuntes anônimos
das paixões mal entendidas
do desejo sufocado em si mesmo.

Dá licença para a insensatez
da minha fé imperturbável
da sinceridade que grita o que pensa e sente
da minha esperança teimosa
de acreditar em final feliz.

Dá licença para a mediocridade
da minha imaturidade
dos pré-conceitos pueris
das minhas carências, tolices,
medos
da resignação que me estagna.


Dá licença para a extra(e)ordinária inquietude
dos meus sentimentos
das incessantes buscas

da minha alegria triste
da angústia pungente e doída
do pranto que não deixo verter.

Dá licença para o meu silêncio
Dá licença para a minha melancolia
Dá licença para a minha solidão
Dá licença para o meu cansaço
Dá licença para mim.

julho 05, 2009

Um apólogo


"Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
– Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
– Deixe-me, senhora.
– Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
– Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
– Mas você é orgulhosa.
– Decerto que sou.
– Mas por quê?
– É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
– Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?
– Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
– Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
– Também os batedores vão adiante do imperador.
– Você é imperador?
– Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em cada de baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana – para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
– Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando... A linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:
– Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: – Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei essa história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: – Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!"

(Machado de Assis)

julho 01, 2009


"Talvez espante o leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia. O olha da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados."
.
(Excerto do capítulo "Curto, mas alegre", das "Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis)

"Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.
Não te fatigues logo. Tens trabalho pra toda a vida.
E nem para o teu sepulcro terás a medida certa.

Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.
Raramente, um pouco mais."

(Excerto do poema "Desenho", de Cecília Meireles)

junho 30, 2009

Caraminholas


Muito do que vi e senti se perdeu

nos dias que se seguiram
na gente que conheci
nas angústias experimentadas
nas tentativas frustradas
no tempo...
em mim mesmo.

Tudo estava ali...
era eu que não estava.
Por mais que buscasse resgatar
as lembranças me escapavam
em lapsos de cansaço

a me antecipar a resposta
de uma pergunta que não fiz.

Cadê aquele menino-homem de caraminholas na cabeça?
Onde está? - indaguei aflito.
Procurei, procurei... não encontrei.
O sentido de tudo é outro.
O menino não quis mais brincar
e se escondeu.

O homem segue a descobrir
caminhos, pessoas, verdades, dores, sabores...
trocando passos com suas certezas e incertezas
suas lutas, sonhos...
No fundo ele também quer ser feliz.


Dizem que o menino ainda pode ser visto...
Por vezes, se esconde no bolso do paletó
outras adormece sem dizer onde está
alguns atentos percebem suas pegadas aqui e ali
há os que juram poderem enxerga-lo sorrindo no olhar do homem.

Fernanda Porto - Sentado à beira do caminho

"Um barzinho, um violão - Jovem Guarda"
Música: Sentado à beira do caminho
Composição: Erasmo Carlos
Intérprete: Fernanda Porto

junho 25, 2009

Só tu

"Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!

Mas tu - que rude contraste!
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nestalma, ficaste,
De todas as que eu amei."


(Paulo Setúbal)

junho 21, 2009

Um dia para Álvaro de Campos...

Ao acordar, uma antecipação dos sentimentos do dia me vieram à cabeça. A razão não sei, nem busco. Justificativas quase nunca importam tanto quanto os porquês dos olhos interrogativos. Minha inspiração voa longe à procura de novos ares, cores, às vezes ondas, noutras precisa mais de uma brisa leve, lírios, nuvens, cheiro de alecrim. Seu pouso é incerto e minh'alma mais ainda. Nessas horas esquecidas em devaneios lançados a esmo, sinto cada vez mais que "eu sofro ser eu através disto tudo como ter sede sem ser de água". Por isso mesmo e por tudo mais que esta manhã me desperta, hoje é dia para Álvaro de Campos.

"Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

(...)

Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.

A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta estrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta saciedade antecipada na asa de todas as chávenas.

(...)

Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?

(...)

Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.

(...)

Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Uma razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim."



(Excertos do poema "Passagem das Horas", cuja autoria foi atribuída por Fernando Pessoa ao seu heterônimo Álvaro de Campos)

junho 10, 2009


"Vosso amigo é a satisfação de vossas necessidades.
Ele é o campo que semeias com carinho e ceifais com agradecimento.
É vossa mesa e vossa lareira.
Pois ides a ele com vossa fome e o procurais em busca da paz.

Quando vosso amigo manifesta seu pensamento,
não temeis o "não" de vossa própria opinião, nem prendeis o sim.

E quando ele se cala, vosso coração continua a ouvir o seu coração,
Porque na amizade, todos os desejos, ideais, esperanças,
nascem e são partilhados sem palavras, numa alegria silenciosa.

Quando vos separeis de vosso amigo, não vos aflijais
Pois o que vós ameis nele pode tornar-se mais claro na sua ausência,
Como para o alpinista a montanha parece mais clara vista da planície.

E que não haja outra finalidade na amizade a não ser o amadurecimento do espírito,
pois o amor que procura outra coisa a não ser a revelação de seu próprio mistério não é o amor, mas uma rede
armada
e somente o inaproveitável é nela apanhado.

E que o melhor de vós próprio seja para o vosso amigo.

Se ele deve conhecer o fluxo de vossa maré, que conheça também o seu refluxo
pois que achais seja vosso amigo para que o procureis somente a fim de matar o tempo?

Procurai-o sempre com horas para viver.
Pois o papel do amigo é o de encher vossa necessidade, e não vosso vazio.

E na doçura da amizade,
que haja risos e o partilhar dos prazeres.

Pois no orvalho de pequenas coisas,
o coração encontra sua manhã e se sente refrescado."

(Gibran Khalil)

junho 06, 2009

Alanis Morissette - That particular time


"Ninguém me venha dar vida,
que estou morrendo de amor,
que estou feliz de morrer,
que não tenho mal nem dor,
que estou de sonho ferida,
que não me quero curar,
que estou deixando de ser
e não me quero encontrar,
que estou dentro de um navio
que sei que vai naufragar,
já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.

Corações, por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e os corais.

Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço,
que só quis a quem não quis."

(Cecília Meireles)

junho 01, 2009

Ana Carolina - Força Estranha

Especial "Elas Cantam Roberto"

maio 30, 2009


"Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!

Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!

Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.

Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles — teu pulso divida
Minh'alma do mundo!

Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
De eu ter que pensar!

Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu pensamento
Para ele morrer?

Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, ó vento; do chão da existência,
De ser um lugar!

E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.

E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!

Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!"


(VENDAVAL - Fernando Pessoa)

maio 28, 2009

Pink Floyd - Wish you were here

So,
So you think you can tell
Heaven from Hell,
Blue skies from pain
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?

Did they get you to trade
Your heroes for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
Did you exchange
A walk on part in the war
For a lead role in a cage?

How I wish, how I wish you were here
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl,
Year after year,
Running over the same old ground.
What have we found?
The same old fears
Wish you were here


"Ao mediar a tarde desse dia
Quando ia o habitual adeus eu dar-te,
Foi uma vaga pena de deixar-te
O que me fez saber que te queria."

maio 24, 2009

"O Deus da parecença
que nos costura em igualdade
que nos papel-carboniza
em sentimento
que nos pluraliza
que nos banaliza
por baixo e por dentro,
foi este Deus que deu
destino aos meus versos.

Foi Ele quem arrancou deles
a roupa de indivíduo
e deu-lhes outra de indivíduo
ainda maior, embora mais justa.

Me assusta e acalma
ser portadora de várias almas
de um só som comum eco
ser reverberante
espelho, semelhante
ser a boca
ser a dona da palavra sem dono
de tanto dono que tem.

Esse Deus sabe que alguém é apenas
o singular da palavra multidão
Eh mundão
todo mundo beija
todo mundo almeja
todo mundo deseja
todo mundo chora
alguns por dentro
alguns por fora
alguém sempre chega
alguém sempre demora.

O Deus que cuida do
não-desperdício dos poetas
deu-me essa festa
de similitude
bateu-me no peito do meu amigo
encostou-me a ele
em atitude de verso beijo e umbigos,
extirpou de mim o exclusivo:
a solidão da bravura
a solidão do medo
a solidão da usura
a solidão da coragem
a solidão da bobagem
a solidão da virtude
a solidão da viagem
a solidão do erro
a solidão do sexo
a solidão do zelo
a solidão do nexo.

O Deus soprador de carmas
deu de eu ser parecida
Aparecida
santa
puta
criança
deu de me fazer
diferente
pra que eu provasse
da alegria
de ser igual a toda gente

Esse Deus deu coletivo
ao meu particular
sem eu nem reclamar
Foi Ele, o Deus da par-essência
O Deus da essência par.

Não fosse a inteligência
da semelhança
seria só o meu amor
seria só a minha dor
bobinha e sem bonança
seria sozinha minha esperança."

* madrugada quando fui acordada pelo poema no Rio de Janeiro, 10 de julho de 1994.

(O POEMA DO SEMELHANTE - Elisa Lucinda)

maio 22, 2009

"Quero ser o teu amigo.
Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias..."


(POEMA DO AMIGO APRENDIZ - Fernando Pessoa)

maio 20, 2009

Ennio Morricone - Gabriel's Oboe

Sarah Brightman - Nella Fantasia

Nella fantasia io vedo un mondo giusto,
Li tutti vivono in pace e in onestà.
Io sogno d'anime che sono sempre libere,
Come le nuvole che volano,
Pien' d'umanità in fondo all'anima.

Nella fantasia io vedo un mondo chiaro,
Li anche la notte è meno oscura.
Io sogno d'anime che sono sempre libere,
Come le nuvole che volano.

Nella fantasia esiste un vento caldo,
Che soffia sulle città, come amico.
Io sogno d'anime che sono sempre libere,
Come le nuvole che volano,
Pien' d'umanità in fondo all'anima.

maio 18, 2009

Sem resposta


Sem avançar ou recuar

nem chegar ou partir
sobrevive-se num enredo de buscas inúteis
de sorrisos forçados
e falsas intenções
das meras projeções na tela do nada que nunca chegou a ser
de tudo que se pode pintar com as cores da imaginação
falácias, conjecturas, ilusões.
Por que sustentar esperanças reinventadas?
Reproduzir mesmos caminhos trocando cenários
arriscar uma dor que já cessou
fantasiar expectativas que feneceram de sede
esquecer tantas perguntas que não tiveram resposta.
Vontade (ou necessidade) de espiar o porvir
deixa-lo se aproximar e afugentar o passado de lembranças vazias.
Nunca gostei de folhas em branco
que sutilmente desafiam e imploram novas composições
de tantas palavras exacerbadas de sentidos
nem sempre fiéis ao sentimento que pretenciosamente ousam expressar.
Ah, quem me dera acolher nos braços a certeza eloqüente que dissesse sim ao meu desejo
esse que pulsa e é tão maior do que aparenta ser...
Como faço para acreditar ser nada se sinto tão intenso cá comigo?

maio 13, 2009

Enfrentamento


Palavras impensadas proferidas quase sempre sem sentido
buscando explicações para não escandalizar o preconceito travestido de moralidade.
Ah, como tenho revisto as minhas convicções de outrora...
como tenho questionado em mim o que antes apontava friamente com minha intransigência imatura.
A vida é vasta e o ser humano por demais complexo
para se curvar aos contrapontos impostos pela tendência tola de racionalizar o que não pode ser racionalizado.
Certo ou errado, verdadeiro ou falso, moral ou imoral, normal ou anormal...
Quem pode dizer?
Quem será o primeiro a atirar a pedra da hipocrisia?
De que valem os sacrossantos padrões?

Cá comigo mesmo, eu sei e não preciso dizer a ninguém...
Cada um que descubra a sua própria verdade
ou viva a sua própria mentira.
Mesmo a mentira não pode ser julgada
não está fadada a ser criticada pela opinião mesquinha dos que fingem ser o que não são.
Ah, o pensamento... Quem pode controla-lo?
Que seria de nós se cada pensamento impuro nos condenasse ao purgatório?
Sou patético quando tento entender o todo. E como ousar tamanha pretensão se sou parte?
Minhas fragilidades, minhas limitações, meus medos, meus pecados...
Não pedirei a ninguém absolvição.
Não quero permissão.
Eis a minha revolução!

maio 11, 2009

Cássia Eller - Non, je ne regrette rien

Para alguém muito especial...

maio 10, 2009

Dia das Mães


"Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho."


(PARA SEMPRE - Carlos Drummond de Andrade)

maio 09, 2009

Cartola - O mundo é um moinho

Ainda é cedo, Amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, Querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, Amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, Querida
Em cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés

maio 08, 2009

"Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor."


(AS SEM RAZÕES DO AMOR - Carlos Drummond de Andrade)

maio 02, 2009

Coldplay - Fix you

When you try your best, but you don't succeed,
When you get what you want, but not what you need,
When you feel so tired, but you can't sleep
Stuck in reverse

And the tears come streaming down your face
When you lose something you can't replace
When you love someone, but it goes to waste
Could it be worse?

Lights will guide you home
And ignite your bones
And I will try, to fix you

And high up above or down below
When you're too in love to let it go
But if you never try, you'll never know
Just what you're worth.

Lights will guide you home
And ignite your bones
And I will try, to fix you.

Tears stream down your face,
When you lose something you cannot replace
Tears stream down your face
And I...

Tears stream down your face
I promise you I will learn from my mistakes
Tears stream down your face
And I...

Lights will guide to home
And ignite your bones
And I will try to fix you

abril 30, 2009

Interrogações

Breve e inútil me parece a vã (e quase impossível) empreitada de tentar definir a si mesmo. Tanto quanto rotular sentimentos... Que infeliz mania é essa que nos faz querer nomear tudo? Possivelmente por nos transmitir a ilusão de controle que, invariavelmente, nos toma dos pés à cabeça. Uma tolice, por certo. Uma dentre tantas bobagens que o dia-a-dia nos presenteia quando incautos de nós mesmos. Tantas são as situações em que não sei nada de mim e, muito mais que um simples entendimento, persigo um sentido maior que justifique (ou amenize) as minhas interrogações. Uma boa conversa, um ombro amigo, um choro incontido são eficazes, mas o confronto consigo mesmo é inadiável e hora chega em que já não pode mais se refugiar à sombra das projeções de uma vida pintada a retoques de sorrisos e fantasias de faz-de-conta. Os esforços são sim reconhecidos pelo olhar alheio, mas logo o brilho é esmaecido ante à incredulidade de nossos próprios olhos que repudiam a venda da alma à prestações. Quem paga o preço do aprisionamento voluntário e silencioso que vamos erguendo tijolo a tijolo? Presos às definições, perdemos as delícias do inesperado tentando adivinhar o sabor do que evitamos experimentar. Posso acreditar nos contos de ninar ou apenas fixa-los à parede como lembranças de momentos que tiveram sua importância e findaram inermes. Tanto quanto a morte que nos é derradeira, é certo que tudo acaba. Impotentes, tendemos a expender energias tentando brecar os ponteiros do tempo que é alheio de nós. Não exijo mais de mim a ilação do meu discurso que - não raro - soa insensato. Deixo assim: inconclusivo.

abril 26, 2009

Fernando Pessoa - O poeta fingidor

Documentário sobre a vida e a obra de Fernando Pessoa.





Espólio de Fernando Pessoa: http://purl.pt/1000/1/index.html

abril 19, 2009

Não posso mais...

Não posso mais
chorar de arrependimento

por atitudes que não tomei
por omissões imaturas
por titubear ante às minhas vontades
por sucumbir à sombra do medo
por tentar em vão afastar de mim
o que não posso alterar.

Não posso mais
chorar pelo que poderia ter sido
(e que nunca saberei)
lastimar o afeto que não tive
pesar as chances que não me foram dadas
nem maldizer quem melhor aproveitou
oportunidades que outrora tive nas mãos.


Não posso mais
chorar dores passadas

remoer o que excedi em dizer
lamentar o que silenciei
segurar em mim esse bem querer
que quero e preciso esquecer
fazer dele fortaleza e abrigo
para resgata-lo
um dia
sem hesitar.

James Blunt - Cry

abril 12, 2009

"Há dias em que sobe em mim, como que da terra alheia à cabeça própria, um tédio, uma mágoa, uma angústia de viver que só me não parece insuportável porque de facto a suporto. É um estrangulamento da vida em mim mesmo, um desejo de ser outra pessoa em todos os poros, uma breve notícia do fim."
.
(Excerto do fragmento 336, do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa)

abril 11, 2009

Esquadros - Adriana Calcanhotto e Renato Russo

Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!

Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...

Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

abril 08, 2009

Teimo em não dar ouvidos aos meus sentimentos
e não raro minhas atitudes denunciam minhas intenções
contradizendo o aparente equilíbrio urdido como disfarce da verdade.
Tantos são os olhares atentos a tudo
uma permanente vigília
para evitar as fugas, os retrocessos
e não deixar reviver o que precisa ser esquecido.

Uma imagem apenas...
foi bastante para ameaçar tantas certezas.
Percebo o espelho refletir angústias antigas
tudo o que poderia ter sido e não foi
e todas as possíveis razões provam que sempre estive errado
e que por muito tempo não quis enxergar.
Esse entendimento é derradeiro e definitivo...
Hora de desmontar o picadeiro.

abril 03, 2009

"O eco do meu oco"

Tudo em mim parece reverberar o que outrora trazia em sepulcro
um quase ser e sentir sobre tudo que
- de tão indefinido e irrealizado -
mais aumenta esse abismo de queixas
ecoando o imenso vazio das vivências não vividas
das experiências não experimentadas
do alívio imediato de dores necessárias
das constantes negações travestidas de salvação.

Dias e noites alheio aos arroubos da juventude
mantendo a seriedade e a aparente auto-suficiência
do personagem que criei para o meu uso.
Interpreta-lo sempre foi o meu drama predileto.
E eis, um dia, que entreolhando além da cortina
me vi sem platéia, sem foco, sem luz... sem voz.
O que resta de uma encenação sem aplauso?
"A quem respondo quando o eco do meu oco responde?"

A resposta não sai, fica presa
retida entre tantos poréns e vírgulas e dúvidas e este não-sei-bem-o-quê
"retida na retidão de pensar que todo fim tem de ter um ponto."
As convicções de ontem são as incertezas de hoje
quebrando linhas, pulando pausas, cortando curvas
"onde foram parar as minhas reticências?"
Seria "o oco de outro ninho" ?
Seria "o eco da minha própria voz pedindo amor e carinho" ?

Um ressentimento que sangra
a vitória da covardia que impede de arriscar
que não abdica da comodidade
que finge estar tudo bem
que acredita ser feliz
que tudo ameniza e esquece
... até de viver.

abril 01, 2009

março 21, 2009

"Parado aqui, mas olhando, através dos olhos de quem partiu, pra alguém que ficou... Não seguiu as suas próprias regras. Eu tinha diante de mim um mar que se chama solidão, que me chamava viver com ele este estado bipolar de tédio e euforia barata. Um mar cujas vagas vinham me beijar e afundavam meus pés na beira da praia, isso sempre me deu medo. Quanto desencontro ainda haverá nessa nossa vida? Mas antes de mentir eu procurei te dizer a verdade, só que tu não quiseste ouvir, agora é contigo, escolha no que acreditar; uma mentira contada com sinceridade ou uma verdade absolutamente duvidável. Se o pouco que tem, ainda tiver algum sentido então ainda há muito que fazer, até por que agora não há mais alternativa, nem onde se esconder é preciso trabalhar. A vida é um mapa de palavras cruzadas, um criptograma onde nada se encaixa e as pistas eram as letras ‘M’ e ‘A’, o resto eu apaguei sem ler. Eu te ofereço abrigo e carinhos pras feridas com as quais o tempo te presenteou. Confesso que eu mesmo ainda estou me recuperando de tudo, mas isso não é empecilho. Também posso cuidar de ti. Lembra quando este caos era só uma possibilidade, e a insegurança era só uma fraca sombra? Hoje eles têm peso, substância e malícia. Agora estamos longe de onde gostaríamos de estar embora aqui seja um lugar quase tranqüilo, quase livre, quase romântico... Que mal há em acertar as contas com o tempo? Ontem encontrei com alguns dos nossos antigos amigos, me perguntaram por que não atendo mais meu telefone, por que eu não respondo e-mails e por que eu desapareci... Gargalhei alto pra mudar de assunto e não dizer no que ando pensando. Garanto-te que eu não vou rir de tudo isso."
.
(Fernando Anitelli)

março 13, 2009

Quis compor versos, mas a inspiração parece me escapar por entre os dedos. Talvez seja mais fácil desabafar em prosa ou, quem sabe, porque eu esteja meio oco. Um vazio imenso que me consome, que me atormenta, que me impulsiona a buscar a esmo como um andarilho errante, sem pouso certo, agonizando uma espera que não sabe onde e quando termina. Olho as pessoas ao redor e nada me prende. Trago em mim uma impaciência que me angustia e, mesmo esquecida, fere o meu coração. A alma - de tão apertada - sufoca. Acho que nem gritar consigo, mas de nada adiantaria. Também não quero gastar a boa vontade alheia com as minhas lamentações. É algo tão meu, tão doído, tão estupidamente absurdo... que até me canso de mim. E choro e me desespero e me desiludo e sofro e espero e me ponho a escrever.
Mergulhado no desassossego* do Pessoa e entorpecido pela doce melodia das ilhas dos açores**, me dou colo...
.
"Nessas horas lentas e vazias, sobe-me à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar."
.
"É nestas horas de um abismo na alma que o mais pequeno pormenor me oprime como uma carta de adeus. Sinto-me constantemente numa véspera de despertar, sofro-me o invólucro de mim mesmo, num abafamento de conclusões."
.
"Sou como alguém que procura ao acaso, não sabendo onde foi oculto o objecto que lhe não disseram o que é. Jogamos às escondidas com ninguém."
.
(*) Livro do Desassossego, excertos dos fragmentos 3 e 63.
(**) As ilhas dos açores, Madredeus.