dezembro 31, 2010


"Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano

Vive uma louca

E ela pensa que quando todas as sirenas

Todas as buzinas

Todos os reco-recos tocarem

Atira-se

E

— ó delicioso vôo!

Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,

Outra vez criança...

E em torno dela indagará o povo:

— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?

E ela lhes dirá

(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)

Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:

— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA..."


(Mario Quintana - Esperança)

outubro 12, 2010

How to be alone

Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos "minha vida".


"Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus — enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.

Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida".

Outros fragmentos, daquela "outra vida".
De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa.

Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.

Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração.

Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível". Cito de memória, não sei se correto. Fala do encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.

De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.

Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.

Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome."

(Caio Fernando Abreu - Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", em 22/04/1986)

outubro 09, 2010

Vento no litoral - Cassia Eller



Música: Vento no litoral
Composição: Renato Russo
Intérprete: Cassia Eller

setembro 29, 2010

Despedida


Ao saber de sua partida, meu mundo pareceu parar por alguns segundos. Um turbilhão de sentimentos confusos... vagos... de perda. Não que houvesse qualquer promessa. Não que esperasse o resgate do que passou. Não que sentisse mais do que antes. Seria, por certo, um lamento a se ressentir por tudo o que poderia ter sido e não foi.

"(...) tem gente que chega prá ficar
tem gente que vai pra nunca mais
tem gente que vem e quer voltar
tem gente que vai e quer ficar
tem gente que veio só olhar
tem gente a sorrir e a chorar
e assim chegar e partir
são só dois lados da mesma viagem
o trem que chega é o mesmo trem da partida
a hora do encontro é também de despedida
a plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar
é a vida desse meu lugar
é a vida." (*)

(*) Excerto da música "Encontros e Despedidas", do Milton Nascimento.

julho 11, 2010



"O amor é o ridículo da vida.
A gente procura nele uma pureza impossível,
uma pureza que está sempre se pondo.
A vida veio e me levou com ela.
Sorte é se abandonar e aceitar essa vaga idéia de paraíso que nos persegue,
bonita e breve,
como borboletas que só vivem vinte e quatro horas."

(Cazuza)



* desbravando o cerrado pirenopolino (em busca do "paraíso"), eu e outros(as) quatro corajosos(as) nos deparamos com esta imagem ao final da jornada... mais inquietante que a trajetória em si foi a citação da querida Ojana... fica o registro.

abril 27, 2010

"Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez."

(Caio Fernando Abreu)

abril 06, 2010

Caetano Veloso - Só vou gostar de quem gosta de mim

Show "Um barzinho, um violão - Jovem Guarda"

fevereiro 21, 2010


"Vossos filhos não são vossos filhos.

São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.

Vêm através de vós, mas não de vós.

E embora vivam convosco, não vos pertencem.

Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,

Porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;

Pois suas almas moram na mansão do amanhã,

Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,

Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.

O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força

Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.

Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:

Pois assim como ele ama a flecha que voa,

Ama também o arco que permanece estável."
.
(Gibran Khalil Gibran)

fevereiro 15, 2010

Pra você guardei o amor - Nando Reis e Ana Cañas



Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir

Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir

Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar

Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar

Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

Pra você guardei o amor
Que aprendi vendo meus pais
O amor que tive e recebi
E hoje posso dar livre e feliz
Céu cheiro e ar na cor que arco-íris
Risca ao levitar

Vou nascer de novo
Lápis, edifício, tevere, ponte
Desenhar no seu quadril
Meus lábios beijam signos feito sinos
Trilho a infância, terço o berço
Do seu lar


"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso. A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão."

(Caio Fernando Abreu)

janeiro 18, 2010

janeiro 16, 2010

Vai saber? - Marisa Monte



Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de mudar
E pode aparecer onde ninguém ousaria supor
Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não tenha do que duvidar
Pensando bem pode mesmo chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais
Vai saber?

Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de se dar
E pode aparecer onde ninguém ousaria se pôr
Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não tenha o que considerar
Pensando bem pode mesmo chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais
Vai saber?

Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de jogar
E pode aparecer onde ninguém ousaria supor
Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não venha a reconsiderar
Pensando bem pode mesmo chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais
Vai saber?

(Composição: Adriana Calcanhotto)

janeiro 15, 2010

Melancolia


Há dias em que melhor seria não acordar
não lembrar de tudo que ainda dói
esquecer os caminhos
silenciar palavras

Há dias em que melhor seria não sentir
e se manter indiferente ao que é alheio de nós
tapar os ouvidos
conter as lágrimas do arrependimento

Há dias em que melhor seria não acreditar
duvidar até mesmo do que parece ser manifesto
falsear olhares, sorrisos...
vagas promessas

Há dias em que a vida se cansa de tentar
Há dias em que a verdade prefere se esconder
Há dias em que a angústia sufoca
Há dias em que a saudade é maior
Há dias em que chorar não adianta
Há dias em que me perco e não me quero encontrar

janeiro 14, 2010


"Contam que uma vez se reuniram todos os sentimentos e qualidades dos homens em um lugar da Terra. Quando o ABORRECIMENTO havia reclamado pela terceira vez, a LOUCURA, como sempre tão louca, lhes propôs:

- Vamos brincar de esconde-esconde?

A INTRIGA levantou a sobrancelha intrigada e a CURIOSIDADE sem poder se conter perguntou:

- Esconde-esconde? Como é isso?

- É um jogo, explicou a LOUCURA, em que eu fecho os olhos e começo a contar de um a um milhão enquanto vocês se escondem, e quando eu tiver terminado de contar, o primeiro de vocês que eu encontrar ocupará meu lugar para continuar o jogo.

O ENTUSIASMO dançou seguido pela EUFORIA.
A ALEGRIA deu tantos saltos que acabou convencendo a DÚVIDA e até mesmo a APATIA que nunca se interessava por nada.

Mas nem todos quiseram participar...

A VERDADE preferiu não se esconder: "- Para que se no final todos me encontram?"
A SOBERBA opinou que era um jogo muito tolo (no fundo o que a incomodava era que a idéia não tivesse sido dela).
A COVARDIA preferiu não se arriscar.

- Um, dois, três, quatro... - começou a contar a LOUCURA.

A primeira a se esconder foi a PRESSA que, como sempre, caiu atrás da primeira pedra do caminho.
A FÉ subiu ao céu e a INVEJA se escondeu atrás da sombra do TRIUNFO, que com seu próprio esforço tinha conseguido subir na copa da árvore mais alta.
A GENEROSIDADE quase não conseguiu se esconder, pois cada local que encontrava lhe parecia maravilhoso para algum de seus amigos. Se era um lago cristalino, ideal para a BELEZA. Se era a copa de uma árvore, perfeito para a TIMIDEZ. Se era o voo de uma borboleta, o melhor para a VOLÚPIA. Se era uma rajada de vento, magnífico para a LIBERDADE. E assim acabou se escondendo em um raio de sol.
O EGOÍSMO, ao contrário, encontrou um local muito bom desde o início: ventilado, cômodo, mas apenas para ele. A MENTIRA se escondeu no fundo do oceano (mentira, na realidade, se escondeu atrás do arco-íris). E a PAIXÃO e o DESEJO, no centro dos vulcões.
O ESQUECIMENTO não me recordo onde se escondeu, mas isso não é o mais importante.

Quando a LOUCURA estava lá pelo 999.999, o AMOR ainda não havia encontrado um local para se esconder, pois todos já estavam ocupados, até que encontrou uma roseira e, carinhosamente, decidiu se esconder entre suas flores.

A primeira a aparecer foi a PRESSA, apenas a três passos de uma pedra.
Depois, se escutou a FÉ discutindo com Deus, no céu, sobre zoologia.
Sentiu-se vibrar a PAIXÃO e o DESEJO nos vulcões.
Em um descuido, a LOUCURA encontrou a INVEJA e, claro, pôde deduzir onde estava o TRIUNFO.
O EGOÍSMO não teve nem que procurá-lo: ele sozinho saiu disparado de seu esconderijo, que na verdade era um ninho de vespas.
De tanto caminhar, a LOUCURA sentiu sede e ao aproximar-se de um lago, descobriu a BELEZA.
A DÚVIDA foi mais fácil ainda, pois a encontrou sentada sobre uma cerca sem decidir de que lado se esconder.

E assim foi encontrando a todos.

O TALENTO entre a erva fresca, a ANGÚSTIA em uma cova escura, a MENTIRA atrás do arco-íris (mentira, estava no fundo do oceano) e até o ESQUECIMENTO, que já havia esquecido que estava brincando de esconde-esconde.
Apenas o AMOR não aparecia em nenhum local.

A LOUCURA procurou atrás de cada árvore, embaixo de cada rocha do planeta e em cima das montanhas. Quando estava a ponto de ser dar por vencida, encontrou um roseiral. Pegou uma forquilha e começou a mover os ramos, quando, no mesmo instante, escutou um doloroso grito. Os espinhos tinham ferido o AMOR nos olhos.
A LOUCURA não sabia o que fazer para se desculpar. Chorou, rezou, implorou, pediu perdão e até prometeu ser seu guia.
Desde então, o AMOR é cego e a LOUCURA sempre o acompanha."

(Autoria desconhecida)

janeiro 10, 2010

"..." - O Teatro Mágico

Tá certo que o nosso
mal jeito foi vital
Pra dispersar o nosso bom
o nosso som pausou!

E por tanta exposição
a disposição cansou...
Secou da fonte da paciência
e nossa excelência ficou lá fora.

Solução é a solidão de nós...
Deixa eu me livrar das minhas marcas
Deixa eu me lembrar de criar asas.

Deixa que esse verão eu faço só
deixa que esse verão eu faço só...
Deixa que nesse verão eu faço o sol.

Só me resta agora acreditar
que esse encontro que se deu não nos traduziu melhor...
A conta da saudade quem é que paga?
Já que estamos brigados de nada
já que estamos fincados em dor.

Lembra?
o que valeu a pena foi nossa cena não ter pressa pra passar...


(Parte final da música "...", do Teatro Mágico)

janeiro 09, 2010

Janeiros - Roberta Sá

É como o vento leve em seu lábio assobiar
a melodia breve lembrando brisa de mar
mexendo maré num vai e vem prá se ofertar
flor que quer desabrochar nasceu
dourando manhã bordando areia
com luz de Candeia prá nunca se apagar

Já passaram dias inteiros
Janeiros, calendário que nunca chega ao fim
início sim, e só recomeçar
bordando areia com luz de Candeia prá nunca se apagar

janeiro 08, 2010

Despertar


A passagem das horas a reverberar palavras
fragmentos de lembranças
do olhar... do sorriso... do arrepio ao primeiro toque
a ansiedade da espera...
a sensação vívida dos momentos...
uma saudade antecipada do que não chegou a ser

Alguns poucos e breves e raros
dias de encantamento
fizeram a vida perceber que pode ser doce
e leve como um sonho do qual despertei

Fica a alegria, o cheiro, a melodia
a verdade das confissões
a incerteza dos porquês
a sensatez das respostas

Guardo tudo que nos permitimos
Guardo muito do pouco que nos aproxima
Guardo pouco do muito que nos afasta
(... e basta)

janeiro 07, 2010

Para ver as meninas - Marisa Monte / Paulinho da Viola

Silêncio por favor
Enquanto esqueço um pouco
a dor no peito
Não diga nada
sobre meus defeitos
Eu não me lembro mais
quem me deixou assim
Hoje eu quero apenas
Uma pausa de mil compassos
Para ver as meninas
E nada mais nos braços
Só este amor
assim descontraído
Quem sabe de tudo não fale
Quem não sabe nada se cale
Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito

janeiro 01, 2010

Receita de Ano Novo


"Para você ganhar belíssimo Ano Novo,
cor de arco-íris ou cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquiva-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependimento
pelas besteiras consumadas,
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre."

(Carlos Drummond de Andrade)