setembro 13, 2013

"Então me vens e me chega e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque assim que és..."

(Caio Fernando Abreu)

abril 12, 2013

"Podia-se ver o chão coberto por folhas de outros outonos. Secas, dormiam sob o silêncio consolador da renúncia, quando um vento forte, vindo, de repente, do lado oeste do passado, estremeceu o jazigo dos desejos. Aprendeu, porém, que o egoísmo não era uma virtude e que, por isso, não roubaria do tempo o único bem que lhe pertencia: as lembranças. Quanto à saudade... Aprendeu, também, que a saudade passa - pelo menos até a próxima ventania."

(Ricardo Pereira)

abril 04, 2013

A hora do cansaço



“As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho eterno fica esse gozo acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.”

(Carlos Drummond de Andrade)



março 23, 2013

Amigo aprendiz





“Quero ser o teu amigo.
Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso: é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo de acertar nossas distâncias.”


(existe certa divergência quanto à autoria desses versos... portanto, fiquemos apenas com a beleza e a verdade dessas palavras)