dezembro 25, 2008

"Subi correndo no primeiro bonde, sem esperar que parasse, sem saber para onde ia.
Meu caminho, pensei confuso, meu caminho não cabe nos trilhos de um bonde".
(Caio Fernando Abreu)

dezembro 15, 2008

"Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho... o de mais nada fazer."
.
(Clarice Lispector)

dezembro 10, 2008

ELEPHANT GUN - Beirut

Ontem, ouvi esta música pela primeira vez... É tema da mini-série "Capitu". Trata-se de uma belíssima produção baseada na obra "Dom Casmurro", escrita por Machado de Assis. Sou suspeito pra falar desse livro porque, talvez, tenha sido ele a despertar em mim um interesse maior pela literatura. Li por três vezes, em épocas diferentes. Curioso é que, na primeira, jurava ser Capitu inocente e vítima dos delírios do Bentinho. Nas outras vezes, o narrador me convenceu da traição. Suposições... O que sempre me intrigou foi a descrição poética dos "olhos de ressaca, de cigana oblíqua e dissimulada". Acho que sempre quis (ou temi) encontra-los e, de fato, inesperadamente aconteceu... Mas, não vou dizer: é segredo! A intenção aqui é expressar o meu encantamento pela obra, pelo escritor, pela produção, pela música... enfim, pela arte.

"O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o resto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo." (Excerto do Capítulo II - DOM CASMURRO)

dezembro 06, 2008

"Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda..."


(BILHETE - Mario Quintana)

dezembro 04, 2008

FIELDS OF GOLD
Eva Cassidy

Na mesma direção...

O que eu quero é sentir o amor me afagar os cabelos
o pouso da mão sobre a face
o olhar que dispensa palavras
o toque que acaricia e ameniza as dores da alma.

Quero ser abraçado e sentir o amparo da cumplicidade
o beijo que arrepia
o entorpecimento que faz o corpo estremecer
e o coração transbordar sentimentos.

Quero sorrisos sinceros
o apoio incondicional
a mão estendida
a fé de ser capaz.

Quero que fique comigo não por breves instantes
mas noite e dia
pra perfumar minha existência
pra aquietar o meu espírito.


Quero acordar com sua presença
dormir sentindo sua respiração
velar seu sono
testemunhar cada amanhecer.

Quero acreditar ser possível
duas vidas em uma só
um só caminho
na mesma direção.

dezembro 02, 2008

"Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma."

(DOIS POEMAS - autoria atribuída por Fernando Pessoa ao seu heterônimo Alberto Caeiro)

novembro 29, 2008

METADE - Oswaldo Montenegro

novembro 25, 2008

"Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo."

(OS DEGRAUS - Mario Quintana)

novembro 21, 2008

Avesso do espelho

Muitas vezes tenho tentado retomar este espaço, mas a dificuldade é imensa. A vida parece diferente, mas é a mesma... Sou eu que pareço outro e, por vezes, não me reconheço. Sinto como se estivesse sendo impulsionado à uma mudança contínua de pensamentos, atitudes, ações... uma desconstrução, um esvaziamento de mim mesmo. Tudo se mostra tão incerto que, aos poucos, me desfaço das convicções de outrora... dos conceitos, dos pré-conceitos, da "velha opinião formada sobre tudo". Nessa trajetória, tenho assistido o cair das máscaras de muitos dos amigos-pra-vida-inteira e, de fato, percebo que restaram poucos. Dói constatar que vivi ilusões, mas é melhor que seja assim. Onde leva esse caminho? Não sei... mas vou segui-lo.

Não vou viver como alguém que só espera um novo amor
Há outras coisas no caminho aonde eu vou
As vezes ando só, trocando passos com a solidão
Momentos que são meus e que não abro mão

Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora

Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você

É... mas tenho ainda muita coisa pra arrumar
Promessas que me fiz e que ainda não cumpri
Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
Coisas minhas, talvez você nem queira ouvir

Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora

Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você.

(PRA RUA ME LEVAR - Composição: Ana Carolina / Totonho Villeroy)

outubro 26, 2008

CUIDA DE MIM - O Teatro Mágico
Composição: Fernando Anitelli

setembro 02, 2008

Desapego

Cansei de escrever neste blog... Não do ato em si, mas de tudo o que trago aqui. Qual seria a razão desses desabafos em verso e prosa senão a vaidade de qualquer coisa? Sinto que o sentido se perdeu. Este blog vale mais pela Cecília, Clarice, Pessoa, Drummond... como uma forma de mantê-los vivos em mim e sempre poder me encantar com o arranjo perfeito de suas palavras. Hoje, decidi que não quero mais. Talvez, algum dia... um tanto distante por certo. Meus alteregos parecem fundidos num só e, agora, o eu lírico e o "blogueiro" não mais se entendem. E confesso que tenho desgostado de discussões infrutíferas. Covardia? Não... Desapego. Então, resignado, ponho fim a tudo isto e encerro aqui a minha modesta colaboração. Deo gratias, adeus!

agosto 30, 2008

Canção

"Quero um dia para chorar.
Mas a vida vai tão depressa!
- e é preciso deixar contida
a tristeza, para que a vida,
que acaba quando mal começa,
tenha tempo de se acabar.

Não quero amor, não quero amar...
Não quero nenhuma promessa
nem mesmo para ser cumprida.
Não quero a esperança partida,
nem nada de quando regressa.
Quero um dia para chorar.

Quero um dia para chorar.
Dia de desprender-me dessa
aventura mal entendida
sobre os espelhos sem saída
em que jaz minha face impressa.
Chorar sem protesto. Chorar."

(Cecília Meireles)
A lágrima não expurga as dores da alma. Mas, nos permite revelar o que sentimos mesmo quando nos faltam palavras. Seja, talvez, a mais poética e sublime e pungente expressão do sentir humano. O choro é um desabafo, um lamento, uma tentativa desesperada de aliviar o coração e dar voz àquele grito mudo há muito sufocado. Uma emoção genuína que - de tão verdadeira - nos é involuntária e faz o corpo inteiro transbordar o oceano de sentimentalidades que trazemos dentro de nós.

agosto 29, 2008

"De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo, da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro".
.
(Excerto de 'Encontro marcado', autoria de Fernando Sabino)

agosto 25, 2008

Ruptura

Acordei sentindo a vida mais leve... uma inexplicável tranquilidade que há muito busquei (percebi que posso exorcizar meus fantasmas). Ao acalentar tantos medos irreais, quase nunca me enxerguei por inteiro. Até aqui, as percepções de mim mesmo foram sempre uma tresloucada e vã tentativa de me reinventar. Uma farsa! Agora, pergunto: quem sou eu? Descobri que não me conheço... e me estranho. Mas, que bela ironia! Porque foi nesse estranhamento que me encontrei e pela primeira vez me vi sem máscaras.

agosto 17, 2008

... antes do fim

Seria a vida um constante jogo de adivinhações, pausas e retrocessos?
A verdade sempre me pareceu uma forma de libertação e defesa.
Mas como confessar o que se sente sem alardear o ouvido alheio?
A franqueza assusta... por vezes, apavora (e afasta).
O que mais me dói é a indiferença...
(o silêncio diz mais que esconde)
Se pudesse voltar atrás, talvez não falasse
(ou buscasse outro meio)
A dúvida inquieta e a interrupção angustia.
Foi quase um sonho...
infelizmente, acordei antes do fim.

agosto 09, 2008

"Presta atenção nas pausas, as pequenas,

que inesperadamente o destino te concede.

Um dia, "o-que-virá" surgirá assim."

(Friedrich Doldinger)

agosto 08, 2008

Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender.
.
(Excerto extraído do Fragmento 152, do Livro do Desassossego, cuja autoria foi atribuída por Fernando Pessoa ao seu semi-heterônimo Bernardo Soares)

julho 06, 2008

E aprendi que se depende sempre
De tanta muita diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
É tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente
Onde quer que a gente vá
É tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho
Por mais que se pense estar.


(Excerto da música "Caminhos do Coração", composta por Gonzaguinha)

julho 05, 2008

Felicidade (?)

Não raro sou surpreendido por aqueles (sobretudo aquelas) a indagarem a si mesmo (e ao mundo) acerca da felicidade. Uma busca... uma necessidade... obcessão, talvez. Seria ilusão? Não alcanço o conceito, a origem e o fim... De tão abstrata, me escapa pelos dedos o entendimento dessa ficção constantemente reinventada para conferir algum sentido à insensatez da vida (se vivida... ou mesmo que não seja). Uma metáfora, por certo. Mas, há os que nela acreditam e a ela se dedicam como único meio de salvação (im)possível. Um ente quase divino a imiscuir-se entre os pagãos e mortais, seres dementes e carentes e imperfeitos enquanto temporariamente realizados nessa transitoriedade terrena onde nada, de fato, é. Não me oponho à felicidade ou aos que se dizem felizes... É que não acredito na plenitude desse "clima da alma". Parece mais viável cogitar instantes agraciados por sua presença etérea, as inumeráveis possibilidades do ser, do estar e do sentir.

julho 04, 2008

Tanto de tanta coisa...

Trago em mim um tanto de emoções e razões e dúvidas e queixas
um tanto tamanho que quase me toma conta
que me abraça e anseia conter até o que não tenho
até mesmo o que desejo e finjo esquecer

É um tanto tamanho que me angustia e até faz ter orgulho de mim
um tanto de tolices, bobagens, meias-verdades
um tanto de remorso, outro tanto de inquietudes

e esse fardo um tanto denso a me pesar sobre os ombros

Esse tanto de cansaço está além de mim
Quero tanto tanto...
acordar desse esconde-esconde sem fim que ultrapassa minhas vontades
despertar num instante adiante (um tanto melhor, por certo)

Haveria um tanto menos de dor?
Um tanto mais de alegrias e preocupações menores?

Um tanto da tão cobiçada e querida e defendida e perseguida (e abstrata) felicidade?
Um pouco de tanto, um tanto de tudo... ou nem tanto?

junho 21, 2008

Fuga

"De repente você resolve: fugir.
Não sabe para onde nem como nem por quê

(no fundo você sabe a razão de fugir; nasce com a gente).

É preciso fugir.
Sem dinheiro sem roupa sem destino.
Esta noite mesmo.

Quando os outros estiverem dormindo.
Ir a pé, de pés nus.
Calçar botina era acordar os gritos
que dormem na textura do soalho.

Levar pão e rosca para o dia.
Comida sobra em árvores infinitas,

do outro lado do projeto:
um verdor eterno, frutescente (deve ser).
Tem à beira da estrada, numa venda.
O dono viu passar muitos meninos
que tinham necessidade de fugir
e compreende.
Toda estrada:

uma venda para a fuga.

Fugir rumo da fuga
que não se sabe onde acaba
mas começa em você, ponta dos dedos.
Cabe pouco em duas algibeiras
e você não tem mais do que duas.
Canivete, lenço, figurinhas
de que não vai se separar
(custou tanto a juntar).
As mãos devem ser livres
para pessoas, trabalhos, onças
que virão.

Fugir agora ou nunca.
Vão chorar, vão esquecer você?
ou vão lembrar-se?
(lembrar é que é preciso,
compensa toda fuga)
ou vão amaldiçoá-lo, pais da bíblia?

Você não vai saber.
Você não volta nunca.
(essa palavra nunca, deliciosa)
Se irão sofrer, tanto melhor.
Você não volta nunca nunca nunca.

E será esta noite,
meia-noite em ponto.
Você dormindo à meia noite."


(Carlos Drummond de Andrade)

junho 12, 2008

"(...) tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo
quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo,
não sei me entregar à desorientação."

(Clarice Lispector)



Por dentro...

Não mais consigo negar essa agonia que me consome
e faz a vida parecer um fardo
a me pesar sobre os ombros.
Ressinto uma solidão de mim mesmo...
por dentro.
A inquietante lembrança dos momentos que sonhei
e findaram irrealizados.
Uma tristeza tão pungente
- e tão minha -
que sufoca...
E choro,
lacrimejando os atropelos
que teimo em repetir.
Sinto saudade de tudo...
sinto saudade de mim.

maio 20, 2008

"Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida - ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o."

(Friedrich Wilhelm Nietzsche)

abril 29, 2008

Mercador de ilusões

Tenho desgostado de quase tudo...
Uma impaciência para com a vida, o mundo
as pessoas que me cercam.

Uma vontade desesperada de fugir
uma viagem sem regresso
a impalpável leveza de um sonho infinito e belo.
Um cansaço das incertezas
e até o que é certo me tem ferido a alma.

A ordem ciclotímica dos dias
me consomem energias vitais
e refugio-me na inação de quem espera
de quem deseja e tem medo
de quem arrisca e se arrepende
de quem sonha alçar vôos
e tem os pés presos ao chão.

Comprei ilusões a prestações
e nunca mais fui inteiro
nunca mais respirei a paz comigo mesmo
nunca mais fui
senão a infeliz distorção do que planejei ser.

abril 22, 2008


"(...) Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara (...)"

(Excerto extraído do poema 'Tabacaria', cuja autoria foi atribuída por Fernando Pessoa ao seu heterônimo Álvaro de Campos)

março 15, 2008

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."


(Poema em linha reta - autoria atribuída por Fernando Pessoa ao seu heterônimo Álvaro de Campos)

março 13, 2008

Ausente de mim

Tenho desgostado de pensar...
tanto tanto
que prefiro esquecer
(me esvaziar de mim mesmo).

É tudo tão menor e menos intenso
que a poesia parece mentir
amplificando os sentimentos
que jamais quis.


Só a vida
assim vivida
basta para me fazer acreditar
e sonhar
e esperar
e seguir...

Nada sabem de mim
nada sei do mundo
me habituei às buscas
construo-me
desconstruo-me
e não raro volto a me perder.

Quero tanto mais do que tenho tido
e os dias parecem mais atraentes
não mais tropeço nas ilusões
que outrora espalhei.


Não mais caminho em círculos
faço da vida um palco
onde ensaio minhas crônicas
e dialogo com meus antagonistas.

Nunca estou só...
(as máscaras me fazem companhia).

março 07, 2008

Sobre verdades...


Algumas conversas são (ou parecem) reveladoras... As palavras saem como se profetizassem uma sentença, uma sina, um pecado capital. Talvez, seja meu karma - todos temos um... Mas, seria uma verdade? Existe verdade absoluta ou seria uma meia verdade? Qual metade da verdade: a sua ou a minha? Possibilidades... até mesmo de estarmos certos, ou errados ambos.

"A porta da verdade estava aberta
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia."

(A VERDADE - Carlos Drummond de Andrade)

março 03, 2008

"Todo homem é uma ilha...
(toda mulher é uma ilha).
É bom ser uma ilha distante
tanto quanto é bom ser um homem.

Todo homem possui uma ponte
pois é preciso sair da ilha, seguro.
A ponte de um homem é um braço estendido.

Todo homem é um mundo.
O mundo roda no sistema egocêntrico
de suas realidades,
pequenos alumbramentos,
medos e coragens.

E quando o homem encara o mundo e se depara
– homem-mundo,
mundo-homem,
volta à ilha:
Todo homem ama sua ilha.

O homem faz o homem.
E porque fez o homem, sem nem o homem querer
aufere direitos do homem.
Diz a ele: Cresça!
E ele fica mais alto.

Diz ao homem: Trabalhe!
E ele usa o corpo.
Diz ao homem: Viva!
E ele respira e existe.
Diz ao homem: Ame!
E ele não sabe como.
Mas diz ao homem: Procrie!
E ele faz homens.

Um dia ele morre.
Se a vida foi longa para viver –
é curta para morrer –
porque o homem não fez, não escolheu,
não pensou nada.

O que faz um homem diferente de outro homem
é o que ele pensa.
O que o transforma, também,
de um simples fazedor de homens,
num criador de homens.

Todo homem é uma vontade.
E se deixa de ser vontade
teme a perda de sua posse.
Todo homem é uma consciência.
Nela inclui o seu saber
e a parte maior do não saber,
e se aceita o fato, é com ela que ele se entende.

Todo homem é seu corpo.
E sabe dele em contraste com outro corpo,
tal é a sua medida.
Como também, a medida de um homem é a sua carência:
porque é assim que ele se assume,
porque é assim que ele se liberta.

Quanto mais ele precisa
mais ele é maior. E dá.
Pede. Reivindica. Exige, quanto pode.
Luta e sofre.

Todo homem quer deixar sua ilha.
Temeroso de ter que voltar um dia, entretanto,
não destrói as pontes.
Enquanto isso, a ilha fica ali, só ilha.
A ponte fica ali, só ponte.
E o homem fica ali, só homem."


(FAZEDOR DE HOMENS - Carlos Drummond de Andrade)

fevereiro 29, 2008

Até quando?

Não sei por onde começo a narrativa que até evito pensar.
tento evitar, mas não consigo...
tantas são as vozes que indiscretamente indagam, noite e dia, os anos de vida
(e me apavoro, confesso)
Esses dias têm sido difíceis...
tanto que sinto dificuldade de respirar
de viver tanto mais.
Queixo-me em pensamentos e lágrimas
um choro de dentro
(pra mim e por mim)
pra todas as perguntas impossíveis
insisto em tapar os olhos
enxergo apenas o que minha intuição deseja
ouvidos moucos para o que não quero acreditar
uma esperança cega, tresloucada, desesperada...
um despertar aflito do tempo que resta
a agonia das horas que findaram desperdiçadas
tantas vontades, tantos sonhos, tantas queixas...
cansaço constante dos dias que ainda terei que contar
(descontente, incomodado, angustiado)
à espera desse amanhã tardio
ressentido por não vislumbrar mãos estendidas
minha arrogância...
minha intolerância...
meu desassossego.

fevereiro 25, 2008

...

Alguns dias de ócio são de grande valia, mais ainda se desfrutados consigo mesmo. Falo daquela solidão necessária, trancado no mais íntimo de mim mesmo, escondido de tudo quanto é externo (e alheio): pessoas, olhares, palavras, pensamentos...
Recluso enxergo o que não entrevejo quando integrado ao todo.
Sempre é tempo de regressar e preparar nova partida.

fevereiro 12, 2008


Hoje acabou-se-me a palavra,
e nenhuma lágrima vem
Ai, se a vida se me acabara
também.

A profusão do mundo, imensa,
tem tudo, tudo - e nada tem.
Onde repousar a cabeça?
No além?

Fala-se com os homens, com os santos,
consigo, com Deus... E ninguém
entende o que se está contando
e a quem...

Mas terra e sol, luas e estrelas
giram de tal maneira bem
que a alma desanima de queixas.
Amém.

(AMÉM - Cecília Meireles)

fevereiro 10, 2008

"Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação."

(OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO - Carlos Drummond de Andrade)

fevereiro 03, 2008


"(...) Era uma vez, mas eu me lembro como se fosse agora, eu queria ser trapezista. Minha paixão era o trapézio. Me atirar lá do alto na certeza de que alguém, lá em baixo, seguraria minhas mãos, não me deixando cair. Era lindo, mas eu morria de medo. Tinha medo de tudo, quase: cinema, circo, parque de diversão, ciganos... Aquela gente encantada que chegava e seguia... Era disso que eu tinha medo: do que não ficava para sempre."
(Era uma vez - Antônio Bivar)

janeiro 31, 2008

Epifania

Num daqueles despretensiosos dias, lembro ter me deparado com uma modesta e improvisada feira de livros na entrada da faculdade. Passeando os olhos pelas capas, tive a impressão de estarem empoeirados, gastos... usados talvez. Fosse, quem sabe, uma queima de estoque para bolsos desguarnecidos. Fitando-os com certo desdém e uma ponta de indiferença, surpreendi-me com um exemplar cujo título não me recordo por completo, mas que continha a intrigante expressão "saudade do futuro". Jamais esqueci disso... Hoje, me pergunto o porquê de não tê-lo comprado. Não sei dizer. Sei que, desde então, tem me despertado epifanias... Trago comigo uma intensa e melancólica saudade do futuro... dos dias que virão. Como se fosse um presságio que me fizesse intuir a materialização do que - por enquanto - é sonho. Como se, ao estender a mão, eu pudesse tocar. Uma incerteza certa... Uma exatidão ilógica... Talvez, meras abstrações de quem vive perdido em devaneios.

janeiro 24, 2008

MEU BEM - Ojana Dominique

Hoje, o meu espírito está mais para uma poesia cantada... Lembrei da composição 'Meu Bem' da amiga Ojana. Admiráveis ambas: ela e a música (perdoem o pleonasmo). Morando na maravilhosa cidade luz, ela deu asas ao seu talendo e o deixou aflorar por inteiro. Esperado, porém incerto, foi grande a surpresa ao vê-la cantando letra de própria autoria cujo momento se encontra eternizado em um clipe amador. Pura arte! Basta ouvir... e sentir, sobretudo.

"Meu bem
eu finjo que está tudo muito bem
que eu ando pelo mundo e me divirto também
mas penso em você e me confundo também.
Meu bem
eu finjo que o nosso lance acabou
que eu fiz as malas de mudança pra um novo amor
mas penso em você
nas marcas que você deixou.
Meu bem
seu bem me faz tão bem
sigo os teus passos de manhã.
Esse sol a pino
vem seu beijo e arde a tarde
brisa leve, flor de laranjeira.
De madrugada
abro a janela
lua mais minguante ao teu amor
Ah... um brinde
Ah... um livro bom
retrato no tempo que parou.
Depois que você foi pisar outro jardim
é só mistério
solidão vestida de cetim.
Não quero confessar
mas é só te lembrar
que eu volto pro mesmo lugar.
Quero esquecer o rádio, a tv
nossa música ainda está no ar.
Meu bem
seu bem me faz tão bem.
Deixa eu dizer mais uma vez...
Meu bem
seu bem me faz tão bem...
deixa eu ouvir também."

janeiro 21, 2008


"Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir..."

(ADIAMENTO - autoria atribuída por Fernando Pessoa ao seu heterônimo Álvaro de Campos)

"Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta – até essa vida...

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me náufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus."

(Excerto extraído do poema 'Lisbon revisited - 1926' cuja autoria foi atribuída por Fernando Pessoa ao seu heterônimo Álvaro de Campos)

janeiro 18, 2008

O que dizer (ou escrever) quando as palavras parecem diminuir a intensidade do sentir? Seriam elas culpadas da minha incapacidade de subjetivamente recria-las? Nada disso... Sou o grande culpado admito! Mas, hoje, carecia dar voz às minhas inquietações. Foi em vão... Tive de buscar outro intérprete e, por acaso, encontrei o fragmento de um texto que me despertou uma pequena epifania. Existe alguma divergência quanto ao autor: alguns atribuem ao Pessoa, mas parece certo que fora criado por Fernando Teixeira de Andrade.
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

janeiro 12, 2008

Confissões

Difícil confessar que sempre estive à sua espera...
Penoso admitir tantas falhas, tantas máscaras - meus medos.
Não raro tenho sido transparente além do que deveria.

Os ponteiros avançam e não mais aguardam o meu tempo.
Como acompanha-los? Como perseguir essa verdade que me atormenta os sentidos?
Sei que não mais consigo suportar.

Dentro de mim,
um grito mudo implora salvação.
Quero partir... E quero mais do que tenho tido...

Percebi que há muita vida para se viver.
E que preciso aprender.
Seja como for, rogarei pelo perdão dos meus pecados.

Dispenso lágrimas e conselhos.
Peço que me deixem cá comigo mesmo...
Para que eu consiga respirar.