dezembro 27, 2007

Tenho pensado em escrever, mas pareço ressentir meias-verdades (ou, talvez, meias-mentiras). Sei que perambulo entre bifurcações que se edificam diante de mim como enigmas que jamais ousei decifrar. Cataclismas de pensamentos e vontades que me impedem de ficar e me enroscam os pés não me deixando partir. Vivendo essa mixórdia e por não querer (ou não poder) traduzir esse sentir, relembrei versos de Alberto Caeiro (os heterônimos do Fernando Pessoa me sabiam bem). Falo do "Dois poemas". É... às vezes, também sou dois.

"Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma."