abril 30, 2009

Interrogações

Breve e inútil me parece a vã (e quase impossível) empreitada de tentar definir a si mesmo. Tanto quanto rotular sentimentos... Que infeliz mania é essa que nos faz querer nomear tudo? Possivelmente por nos transmitir a ilusão de controle que, invariavelmente, nos toma dos pés à cabeça. Uma tolice, por certo. Uma dentre tantas bobagens que o dia-a-dia nos presenteia quando incautos de nós mesmos. Tantas são as situações em que não sei nada de mim e, muito mais que um simples entendimento, persigo um sentido maior que justifique (ou amenize) as minhas interrogações. Uma boa conversa, um ombro amigo, um choro incontido são eficazes, mas o confronto consigo mesmo é inadiável e hora chega em que já não pode mais se refugiar à sombra das projeções de uma vida pintada a retoques de sorrisos e fantasias de faz-de-conta. Os esforços são sim reconhecidos pelo olhar alheio, mas logo o brilho é esmaecido ante à incredulidade de nossos próprios olhos que repudiam a venda da alma à prestações. Quem paga o preço do aprisionamento voluntário e silencioso que vamos erguendo tijolo a tijolo? Presos às definições, perdemos as delícias do inesperado tentando adivinhar o sabor do que evitamos experimentar. Posso acreditar nos contos de ninar ou apenas fixa-los à parede como lembranças de momentos que tiveram sua importância e findaram inermes. Tanto quanto a morte que nos é derradeira, é certo que tudo acaba. Impotentes, tendemos a expender energias tentando brecar os ponteiros do tempo que é alheio de nós. Não exijo mais de mim a ilação do meu discurso que - não raro - soa insensato. Deixo assim: inconclusivo.

abril 26, 2009

Fernando Pessoa - O poeta fingidor

Documentário sobre a vida e a obra de Fernando Pessoa.





Espólio de Fernando Pessoa: http://purl.pt/1000/1/index.html

abril 19, 2009

Não posso mais...

Não posso mais
chorar de arrependimento

por atitudes que não tomei
por omissões imaturas
por titubear ante às minhas vontades
por sucumbir à sombra do medo
por tentar em vão afastar de mim
o que não posso alterar.

Não posso mais
chorar pelo que poderia ter sido
(e que nunca saberei)
lastimar o afeto que não tive
pesar as chances que não me foram dadas
nem maldizer quem melhor aproveitou
oportunidades que outrora tive nas mãos.


Não posso mais
chorar dores passadas

remoer o que excedi em dizer
lamentar o que silenciei
segurar em mim esse bem querer
que quero e preciso esquecer
fazer dele fortaleza e abrigo
para resgata-lo
um dia
sem hesitar.

James Blunt - Cry

abril 12, 2009

"Há dias em que sobe em mim, como que da terra alheia à cabeça própria, um tédio, uma mágoa, uma angústia de viver que só me não parece insuportável porque de facto a suporto. É um estrangulamento da vida em mim mesmo, um desejo de ser outra pessoa em todos os poros, uma breve notícia do fim."
.
(Excerto do fragmento 336, do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa)

abril 11, 2009

Esquadros - Adriana Calcanhotto e Renato Russo

Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!

Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...

Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

abril 08, 2009

Teimo em não dar ouvidos aos meus sentimentos
e não raro minhas atitudes denunciam minhas intenções
contradizendo o aparente equilíbrio urdido como disfarce da verdade.
Tantos são os olhares atentos a tudo
uma permanente vigília
para evitar as fugas, os retrocessos
e não deixar reviver o que precisa ser esquecido.

Uma imagem apenas...
foi bastante para ameaçar tantas certezas.
Percebo o espelho refletir angústias antigas
tudo o que poderia ter sido e não foi
e todas as possíveis razões provam que sempre estive errado
e que por muito tempo não quis enxergar.
Esse entendimento é derradeiro e definitivo...
Hora de desmontar o picadeiro.

abril 03, 2009

"O eco do meu oco"

Tudo em mim parece reverberar o que outrora trazia em sepulcro
um quase ser e sentir sobre tudo que
- de tão indefinido e irrealizado -
mais aumenta esse abismo de queixas
ecoando o imenso vazio das vivências não vividas
das experiências não experimentadas
do alívio imediato de dores necessárias
das constantes negações travestidas de salvação.

Dias e noites alheio aos arroubos da juventude
mantendo a seriedade e a aparente auto-suficiência
do personagem que criei para o meu uso.
Interpreta-lo sempre foi o meu drama predileto.
E eis, um dia, que entreolhando além da cortina
me vi sem platéia, sem foco, sem luz... sem voz.
O que resta de uma encenação sem aplauso?
"A quem respondo quando o eco do meu oco responde?"

A resposta não sai, fica presa
retida entre tantos poréns e vírgulas e dúvidas e este não-sei-bem-o-quê
"retida na retidão de pensar que todo fim tem de ter um ponto."
As convicções de ontem são as incertezas de hoje
quebrando linhas, pulando pausas, cortando curvas
"onde foram parar as minhas reticências?"
Seria "o oco de outro ninho" ?
Seria "o eco da minha própria voz pedindo amor e carinho" ?

Um ressentimento que sangra
a vitória da covardia que impede de arriscar
que não abdica da comodidade
que finge estar tudo bem
que acredita ser feliz
que tudo ameniza e esquece
... até de viver.

abril 01, 2009